BRASIL - VAIA REVELA APENAS A DESELEGÂNCIA DA ELITE
(Ricardo Noblat/ Jornal O Globo – Extraídos da Folha de São Paulo) Nos próximos dias, grandes
jornais e seus colunistas explorarão o tema ao máximo, para tentar provar que
estão certos em suas críticas contra o governo Dilma; no entanto, o público
presente no Mané Garrincha não era exatamente um retrato do povo brasileiro;
ali, havia pessoas que se dispuseram a pagar R$ 280 pela entrada e outros
tantos que receberam convites de patrocinadores e parceiros da festa; vaia
começou contra Joseph Blatter, da Fifa, e depois atingiu a presidente por
tabela, menos como retrato de alguma indignação social e mais como expressão de
irreverência e até de falta de educação
"Estreia do Brasil tem vaia a Dilma, feridos e
presos". Manchete do Globo: "Torneio começa com vaias a Dilma e
vitória da seleção". Nos próximos dias, a vaia contra a presidente Dilma
Rousseff, ouvida no Estádio Nacional Mané Garrincha, ainda deverá ecoar nas
colunas políticas e econômicas. Quer um palpite? Este será o tema de Ricardo
Noblat, nesta segunda-feira, no Globo.
Mas será que ela tem realmente algum significado político? Nenhum.
Quem esteve no Estádio Nacional Mané
Garrincha neste sábado pôde se dar conta de que a vaia contra Dilma foi quase
acidental. Ela começou quando os alto-falantes anunciaram a presença do
presidente da Fifa, Joseph Blatter. Dilma foi anunciada na sequência, pegando
carona nas vaias a Blatter - que também eram inadequadas. Diante do barulho,
ela pronunciou apenas uma frase: "Declaro oficialmente aberta a Copa das
Confederações". Blatter lamentou o incidente e pediu "fair play"
ao povo brasileiro, quando foi novamente vaiado.
No Uol, Josias de Souza foi o
primeiro colunista a comentar as vaias e sugeriu que a torcida talvez estivesse
repleta de "Velhos do Restelo", ironizando a presidente Dilma:
O Brasil, para ficar como Dilma
Rousseff deseja, precisa trocar de torcida. Essa que compareceu ao Estádio Mané
Garrincha, em Brasília, é inteiramente inadequada. Uma legião de Velhos do
Restelo. Vindo da Suíça, terra onde o leite já sai das vacas pasteurizado, o
companheiro Joseph Blatter, da Fifa, ralhou: “Onde está o respeito, onde está o
fair play?”. As vaias aumentaram.
Até o desafeto José Maria
Marin, da CBF, tentou salvar a cena puxando uma salva de palmas.
Os apupos prevaleceram. Bons tempos aqueles em que o futebol era o ópio do
povo. Hoje, gasta-se R$ 1,2 bilhão num estádio para que ele seja usado como
amplificador do pio do povo. Quanta ingratidão! O Planalto deveria considerar a
hipótese de trocar a torcida brasileira por torcedores terceirizados vindos da
Suíça de Blatter. São pessoas muito mais respeitosas. E que fair play!
Mas quem estava realmente no Mané
Garrincha? Não exatamente um retrato do povo brasileiro. Ali havia dois tipos
de torcedores. Os que se dispuseram a pagar R$ 280 por uma entrada e aqueles
que foram convidados por patrocinadores ou parceiros da festa, que adquiriram
ingressos junto à Fifa e os distribuíram a convidados vip. Em ambos os casos,
representantes da elite.
Não exatamente o povo que se
incomoda com a chamada inflação dos alimentos ou a alta de vinte centavos nas
passagens de ônibus.
A despeito da vaia, quem foi o Mané
Garrincha também se deu conta de que, pela primeira vez, o Brasil dispõe de
equipamentos esportivos comparáveis aos do invejado Primeiro Mundo. A arena de
Brasília nada deve aos melhores estádios do mundo - e, em muitos aspectos, os
supera. O trabalho dos voluntários, que demonstraram extrema cortesia, foi
também exemplar.
Quem foi ao estádio também pôde
presenciar o renascimento da seleção brasileira e saiu com a certeza de que,
aos poucos, o técnico Luiz Felipe Scolari, o Felipão, faz brotar um time que
tem tudo para ser vencedor.
Além disso, a chegada e a saída do
estádio foram tranquilas, salvo um pequeno incidente com manifestantes que
protestavam contra a realização da Copa, provando que Brasília, com seus espaços
amplos, talvez seja a melhor sede da Copa e a mais adequada até para a abertura
em 2014.
Numa festa grandiosa, não só pela
seleção, mas pela própria estreia bem-sucedida da arena e de uma das principais
sedes, a vaia foi apenas um "ponto fora da curva", para usar uma
expressão em voga atualmente.
Foi o retrato da irreverência, da
deselegância e até da falta de educação de boa parte da elite brasileira.
Paciência. Brasília deu a primeira
demonstração de que, em 2014, o Brasil realizará uma das melhores Copas do
Mundo de todos os tempos. E com uma equipe à altura.
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