Mais da metade das prefeituras do Pará está enforcada com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Por José Eduardo/ Blog Zé Dudu.
Pelo
menos seis de cada dez prefeituras paraenses correm o risco de não fechar as
contas de 2018 por causa da folha de pagamento. É o que apontam os dados do
Sistema de Informações Contábeis e Fiscais (Siconfi), do Tesouro Nacional, e em
cuja fonte o Blog do Zé Dudu foi beber para concluir que 68, das 106
prefeituras do Pará que entregaram sua última prestação de contas referente à
despesa com pessoal, estão com a corda no pescoço e às voltas com a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF).
O número de prefeituras na corda bamba pode ser ainda maior,
visto que algumas, como Canaã dos Carajás, Brejo Grande do Araguaia e Ourém,
apresentaram informações com ilusão de ótica e outras 38 não apresentaram
informações no prazo legal.
Vários fatores contribuem para o cenário fiscal perturbador. A
crise nacional derrubou a arrecadação de vários tributos que geram os repasses
constitucionais, dos quais depende a maioria das prefeituras brasileiras. No
Pará, poucos são os municípios com capacidade de arrecadação própria e, para
piorar, a esmagadora maioria tem na prefeitura o único grande empregador.
Assim, a baixa capacidade de geração de renda e tributos em nível municipal,
associada à competência administrativa duvidosa dos prefeitos, que definitivamente
não conseguem fazer mais com menos, derruba as contas e deixa uma parcela
considerável dos governos em vias de pedir concordata.
Na ponta está a população, que assiste à paralisação ou à oferta
precária de serviços essenciais, enquanto o estado e seus municípios alcançam
níveis cada vez mais profundos de subdesenvolvimento.
O peso de uma folha
A despesa com pessoal é um dos principais indicadores de como o
orçamento de uma prefeitura está engessado. Quanto mais elevado o gasto com o
funcionalismo, menos margem há para que os prefeitos atendam às necessidades
básicas de seus municípios. No Pará, 66 prefeituras estão acima do limite
máximo estipulado pela LRF, o que pode trazer muita dor de cabeça aos gestores.
O limite máximo que a folha pode atingir é de 54% da receita, mas já a partir
de 48,6% de gastos acende-se o sinal de alerta.
Entre o limite de alerta (48,6%) e o máximo (54%) existe o
limite prudencial (51,3%), que, quando alcançado, proíbe o gestor de diversas
tomadas de atitude, como conceder reajuste salarial, criar cargos, alterar
estrutura de carreiras, contratar pessoal e pagar hora extra. Dos 106 governos
municipais que apresentaram o Relatório de Gestão Fiscal (RGF) ao Siconfi,
apenas 14 estão na zona de conforto com folha de pagamento.
As prefeituras aparentemente mais eficientes, do ponto de vista
fiscal, são as de Peixe-Boi (48,44%), Bonito (48,16%), Oriximiná (48,11%), Abel
Figueiredo (47,58%), Nova Ipixuna (47,53%), São João da Ponta (47,24%), Tucumã
(46,44%), Ourilândia do Norte (45,73%), Água Azul do Norte (45,14%), Santana do
Araguaia (45,02%), Bannach (44,58%). Na indicação do Siconfi, outras três
também fazem parte do grupo, a saber, Ourém (39,98%), Brejo Grande do Araguaia
(21,81%) e Canaã dos Carajás (28,8%), mas o Blog do Zé Dudu desconfiou da
prestação de contas desses governos, por estar muito abaixo do normal, comparou
com o balanço do último quadrimestre de 2017 e constatou que os valores
informados não condizem com a realidade dos fatos.
Em 2017, Ourém fechou o ano gastando 49,35% de sua receita
líquida com pessoal, estando, portanto, acima do limite de alerta. Já Brejo
Grande do Araguaia encerrou ano passado comprometendo 48,32% de sua arrecadação
com servidores, abaixo do limite de alerta, mas muito acima da indicação atual
desarrazoada.
O caso de Canaã é mais flagrante porque o cálculo do limite de
gasto com pessoal foi feito considerando-se doze meses de receita corrente
líquida e apenas oito de despesa com folha, o que gerou a distorção. Ainda
assim, o município é, a bem da verdade, o que tem a situação financeira
tecnicamente mais confortável entre todos porque, como recebeu uma avalanche de
royalties de mineração não prevista, ajuntou arrecadação que consegue abarcar
com suficiência e tranquilidade a despesa com o seu funcionalismo público
municipal sem agredir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Despesa e miséria social
Na outra ponta, a mais cruel, estão 13 municípios que já
comprometeram mais de 70% de sua receita líquida com servidores este ano.
Praticamente todos são paupérrimos, com indicadores precários de qualidade de
vida, como Afuá, cuja prefeitura compromete 70,19% de seus R$ 85,81 milhões de
receita líquida com folha de pagamento. Afuá, para quem não sabe, é um dos 25
lugares do Brasil com mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDHM), de acordo com a última apuração do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud) feita em 2013 a partir de dados do censo 2010.
Coincidentemente, em 2018, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) traz
Afuá com 86% de seus quase 39 mil habitantes vivendo em lares onde a renda per
capita não chega sequer a meio salário mínimo.
De mãos dadas com Afuá estão Óbidos (71,83%), Mocajuba (71,98%),
Tracuateua (73,04%), Oeiras do Pará (73,26%), Augusto Corrêa (75,4%), Gurupá
(76,93%), Aurora do Pará (77,1%), Curralinho (77,47%), Curuá (78,61%), Marituba
(78,89%), Igarapé-Miri (80,05%) e a rainha dos gastos, a Prefeitura de Baião,
que liquida 84,31% de seus R$ 70,83 milhões de receita com servidores.
Baião é outro lugar extremamente pobre. Na avaliação da
Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), que calcula o Índice
Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), o município é o segundo mais
atrasado do Pará e atingiu o fundo do poço na série histórica do índice este
ano. Para se ter ideia da gravidade do subdesenvolvimento, a distância de
prosperidade que separa Baião de Louveira (SP), município mais desenvolvido do
país, é de quase meia década. O fardo — que ainda tem de suportar 24 mil
pessoas de baixa renda — é muito pesado.
Milagres evitam afronta
De maneira geral, as despesas com pessoal são enfadonhas demais
e sepultam investimentos basilares em grande parte dos municípios paraenses.
Mesmo as prefeituras mais ricas, como Parauapebas, se veem às voltas com a LRF,
sendo salvas por milagres da multiplicação. No segundo mais rico município
paraense, a mudança numa lei salvou outra (lei) de ser atropelada.
É que, com a mudança na legislação mineral, a alíquota incidente
sobre o minério de ferro deu um salto de 2% para 3,5% e aumentou a receita dos
royalties de mineração em 75% este ano. Com mais royalties, a receita corrente
líquida cresceu e deu fôlego ao gasto com pessoal, que já estava prestes a
tocar o limiar máximo, de 54% da receita.
Em 2017, a Prefeitura de Parauapebas fechou o ano tendo gasto
mais de meio bilhão de reais com o funcionalismo, no percentual de 53,64% sobre
seus R$ 962,5 milhões de receita líquida. No primeiro quadrimestre deste ano, o
percentual subiu para 53,88%, tendo o Poder Executivo municipal liquidado entre
maio de 2017 e abril de 2018 exatos R$ 544 milhões com a folha. Com a corda no
pescoço, a prefeitura precisou terceirizar serviços para não se enforcar, mesmo
tendo os royalties aumentado a arrecadação nominal. Após a terceirização, no
quadrimestre encerrado em agosto, o percentual de comprometimento da receita
com o funcionalismo parauapebense caiu para 50,75%, embora deva voltar a subir
por conta da despesa de dezembro que, com o décimo terceiro, é sempre mais
alta.
Ação conjunta em 2019
O governador eleito Helder Barbalho, que já foi prefeito de
Ananindeua e sabe os sufocos por que passa uma prefeitura para fechar as
contas, vai precisar sentar-se com os prefeitos, mesmo aqueles que não lhe
deram apoio em campanha, para discutir solução conjunta com vistas a tentar
salvar do abismo muitos municípios paraenses, que correm o risco de continuar
na lanterna dos afogados no IDHM, na próxima apuração do Pnud, prevista para
2022. O Pnud é um braço da Organização das Nações Unidas (ONU) e, portanto, a
vergonha passada aqui no Brasil tem repercussão internacional.
Hoje, segundo o radar mais recente do IDHM, com dados de 2015, o
Pará é o 5º estado mais atrasado do Brasil e isso se deve, em grande parte, à
situação de penúria em que vivem seus municípios pequenos, que dependem de
transferências externas e amargam baixos indicadores de educação, saúde,
distribuição de renda, entre outros. Não houve, por décadas a fio, políticas de
resgate da situação de miséria desses municípios, estejam eles mais pertos da
capital, como os da Ilha do Marajó, ou mais distantes, como os do Tapajós e do
Baixo Amazonas.
Se nada for feito para salvar a pele de prefeituras em vias de
estrangulamento em municípios pobres, quando o censo 2020 passar, o estado
sustentará sua posição subsaariana ocupada há décadas. O Pará continuará
segurando o troféu da concentração de rincões de mazelas no país.
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