A VOZ DO BRASIL faz 85 anos hoje. Quem nunca ouvir “ Em Brasília 19 Horas!.

Em oito décadas e meia, A Voz
do Brasil preencheu a vida dos ouvintes com notícias sobre 23 presidentes,
em mandatos longínquos ou breves. Cobriu 12 eleições presidenciais, e
manteve-se no ar durante a vigência de cinco constituições (1934, 1937,
1946, 1967 e 1988).
O programa cobriu a
deposição dos presidentes Getúlio Vargas (1945) e João Goulart (1964), o
suicídio de Vargas (1954), a redemocratização do país em dois momentos (1946 e
1985), o impeachment e
renúncia de Fernando Collor (1992) e o impeachment de Dilma Rousseff (2016).
Além de notícias dos palácios do governo federal, A Voz do Brasil levou
aos ouvintes informações sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
O programa narrou as conquistas do país em cinco Copas do Mundo e a derrota em
duas – a mais traumática em 1950. A Voz registrou a inauguração de Brasília
(1960) e cobriu a morte de ídolos como Carmen Miranda (1955) e Ayrton Senna
(1994).
Pelo rádio, e pela A
Voz do Brasil, muitos brasileiros souberam da invenção da pílula
anticoncepcional (1960), da descida do homem na Lua (1969), dos
primeiros passos da telefonia móvel (1973), da queda do Muro de Berlim (1989) e
da clonagem da ovelha Dolly (1998).
Vida longa
A longevidade do programa A Voz do Brasil é
assunto de interesse de historiadores e pesquisadores da mídia de massa no
país. “É curioso como um programa de rádio se torna uma constância em um país
de inconstância institucional, jurídica e legislativa”, observa Luiz Artur
Ferrareto, autor de dois dos principais livros de radiojornalismo editados no
Brasil.
Para Sonia Virginia Moreira, professora do
Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, a longa duração do programa “tem muito a ver com a própria
longevidade do rádio como meio de comunicação. A morte do rádio foi anunciada
várias vezes e ele segue como um veículo muito importante no Brasil.”
“Nenhum governo abriu mão dessa ferramenta
fantástica. A longevidade vem da percepção que os diferentes governos tiveram
que manter essa ferramenta era algo que trazia uma vantagem enorme para o
governo do ponto de vista das suas estratégias e para seus objetivos”,
acrescenta Henrique Moreira, professor de jornalismo e especialista em história
da mídia no Brasil.
Curiosidades sobre A Voz do Brasil
A Voz Brasil nem sempre teve como trilha sonora de abertura trecho da ópera O Guarani
(1870), de Carlos Gomes. O Hino da Independência (1822), composto
por Dom Pedro I, e Aquarela do Brasil (1939), de Ary Barroso, também
serviram para marcar o início do programa.
Além de trilhas diferentes, o programa teve nomes
diferentes. Entre julho de 1935 e dezembro de 1937, se chamou Programa Nacional.
Em janeiro de 1938, é rebatizado como A
Hora do Brasil. Em setembro de 1946, ganha finalmente o nome A Voz do Brasil,
como registra o livro Hora do clique: análise do
programa de rádio Voz do Brasil da Velha à Nova República, de
Lilian Perosa.
“Receando desagradar os
opositores da Hora do Brasil, [o presidente Eurico Gaspar] Dutra admitiu fazer
mudanças no programa que refletissem a fase democrática experimentada naquele
momento. Em 6 de setembro de 1946, através do decreto nº 9.788, o
programa passou a se chamar A Voz do Brasil.”
No início, “trazia além de notícias, áudios e músicas
– que exaltavam muito a cultura brasileira. Tudo isso integrando o projeto
de consolidação do poder de Getúlio Vargas”, lembra a jornalista Isabela
Azevedo, apresentadora do programa Na Trilha da História,
veiculado pelas emissoras de rádio da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Ela explica as motivações das pautas nos
primórdios do programa. “O período que o Getúlio Vargas ficou no poder foi
caracterizado pela valorização dos símbolos da cultura nacional, como uma forma
talvez de firmar uma identidade brasileira – uma identidade que se confundisse
com o governo dele.”
O jornalista e escritor Lira Neto, autor de três volumes
sobre a biografia de Getúlio Vargas, também assinala o uso do programa em
benefício próprio. “Em 30 de setembro [de 1937] trechos selecionados
do Plano Cohen foram divulgados pelo programa de rádio Hora do Brasil. O
país quedou escandalizado ante a estrepitosa revelação. Perante o estado de
comoção pública, o Congresso aprovou a volta do estado de guerra por larga
margem de votos”, escreve Neto.
Como a história provou, o Plano Cohen era
uma farsa sobre uma suposta conspiração judaico-comunista no Brasil e a
mobilização que provocou, a partir de notícias inverídicas em diversos
veículos, deu margem a Getúlio Vargas instituir o Estado Novo em 10 de
novembro de 1937.
A história passa pelo A Voz do Brasil
“A história do Brasil passa,
todos os dias, pelo programa. Da mesma forma, a história do programa também é
parte e se confunde com a própria história do Brasil”, assinala a jornalista
Alessandra Bastos que trabalha na equipe do programa A Voz
do Brasil na EBC há 20 anos e hoje divide
a apresentação com o jornalista Nasi Brum.
Alessandra Bastos é co-autora de um artigo acadêmico
recentemente publicado na Revista Latino-Americana de Jornalismo,
onde mostra a estreita relação da política com a história do rádio no país.
Entre as informações curiosas, traz recortes da Revista
do Rádio com reportagens da década de 1950 sobre A Voz do Brasil e
a equipe a frente do radiojornal.
“Os apresentadores de rádio eram como os protagonistas da
novela das oito. Eram estrelas, famosos. Cada notícia, cada erro ou acerto,
cada novidade do programa era comentada nas revistas e jornais. Da mesma forma,
a vida pessoal das estrelas causava curiosidade e atração. Ser apresentador da A Voz do Brasil era
ser uma grande estrela e as revistas mostravam seus rostos que deixavam de ser
anônimos.”
Cultura oral
Na opinião de Alessandra Bastos, A Voz
do Brasil é extremamente importante para uma boa fatia da
população. “Para muitos, é a única forma de saber o que pensa e o que faz o
governo federal. É a única ponte entre o cidadão eleitor e seus representantes
eleitos. É preceito constitucional a transparência e publicidade dos atos
públicos, de todos e qualquer. Publicidade aqui no sentido de tornar público. E A Voz do Brasil coloca
em ação esse direito, que é dado a todos e cada brasileiro.”
“A Voz do Brasil é
um excelente momento para ter informações, para receber material, e
para que seu ouvinte tenha algum contato com o país que ele vive”, complementa
Luiz Artur Ferraretto. Para ele, a veiculação do programa “ainda se justifica
em função das pequenas e médias emissoras, que não são totalmente
jornalísticas.”
Ferrareto não desconsidera as mudanças que
estão ocorrendo no rádio no século 21, por causa da internet, digitalização e
do suporte do celular para ouvir notícias. Ele, no entanto, ressalta que o meio
de comunicação continua sendo importante. “É sempre bom lembrar que em momentos
de crise extrema, quando a gente está vivendo uma enchente ou um ciclone bomba,
falta energia elétrica. O único meio que as pessoas têm vai ser o radinho de
pilha.”
Na mesma linha, Sonia Virginia Moreira
adiciona que o “rádio chega em qualquer lugar. Ainda hoje em ambiente
de internet, que muitas pessoas têm pouco acesso ou, quando têm, a velocidade é
muito baixa. [Elas] não conseguem ter um acesso de qualidade.”
Em sua opinião, A Voz
do Brasil “tem um caráter informativo porque fala o que
está acontecendo na capital do país. Fala dos Três Poderes. Muitas vezes as
informações veiculadas em A Voz
do Brasil, não têm em outros meios de comunicação.”
Além dessa razão, ela descreve que no
Brasil “a cultura oral ainda é importante”, haja visto o número expressivo de
pessoas que não sabem ler por analfabetismo absoluto ou têm dificuldades de
compreensão por causa do analfabetismo funcional.
Como já reportado pela Agência Brasil, em 2018,
havia 11,3 milhões de pessoas analfabetas com 15 anos ou mais de idade
(dados do IBGE). Se todos residissem na mesma cidade, este lugar só seria menos
populoso que São Paulo – a capital paulista tem população estimada de 12,2
milhões. (Agência Brasil)
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